O desequilibrado ganha-ganha entre shoppings e lojistas
- Cássio Andrade
- 25 de mar. de 2021
- 2 min de leitura

Na natureza, todos os membros e órgãos que funcionam em pares pressupõem equilíbrio para que se extraia maior proveito e utilidade de suas funções. Basta observar os pássaros, cujo voo será pleno somente se o esforço for dividido igualmente entre suas asas; ou o corredor, que se sentir apenas uma das pernas, sobrecarregará a outra e não renderá tanto. Não é diferente no mundo dos negócios: se um contrato for equilibrado em seus termos, mas o contexto pender a balança para um dos lados, imediatamente o outro sofrerá de forma desproporcional, destruindo a relação comercial.
Vejamos a situação dos lojistas de shopping center. O contrato de locação firmado entre o empreendedor e o lojista recebe a alcunha de contrato atípico, já que há nele elementos peculiares se comparados aos contratos residenciais e comerciais fora desses centros de consumo. Resumidamente, tal atipicidade se deve ao fato de que o locador, de um lado, deve oferecer ao locatário condições favoráveis de atração de público consumidor, maximizando seus resultados. Em contrapartida, o locatário paga aluguel que varia com seu faturamento, além de verbas acessórias que dizem respeito a promoções e eventos. Assim, em condições normais, o sucesso do locatário interessa diretamente ao locador, que participará do resultado positivo. É assim que sustentam o voo do empreendimento.
Mas o mesmo não ocorre em situações de adversidade, como a que atravessamos mundialmente em razão da pandemia do COVID-19, uma situação imprevisível, incontrolável e incontornável. Após um ano em que o planeta está assolado pelo vírus, pode-se perceber que os padrões de consumo alteraram drasticamente, fortalecendo ainda mais o comércio eletrônico, inclusive delivery, já que as lojas estão com portas fechadas. As vendas presenciais caíram e o custo do e-commerce somou-se às demais despesas dos lojistas, que estão se contorcendo para pagar o aluguel mínimo, que se tornou exorbitante diante do contexto, ainda mais com o reajuste por meio do IGP-M/IGP-DI (acumulado em 31,15% nos últimos 12 meses). Tudo isso se somando ao elevado e confuso rateio das despesas condominiais, além de custos operacionais, tributários e trabalhistas.
Nesse cenário, por falta de equilíbrio, o voo de muitos lojistas se encerrou, já que apenas a asa do empreendedor se preserva nutrida. O locador olvida que apenas com duas asas fortes se enfrentam turbulências, e, tornando-se mais ganancioso, só faz enfraquecer o lado oposto, potencializando insuportavelmente o desequilíbrio histórico da relação. Ao manter-se indiferente ao caos e ao diálogo, o shopping acaba por provocar uma enxurrada de ações judiciais, que se tornam a única opção para reequilibrar as condições objetivas do contrato, a boa-fé e a função social do pactuado. Com efeito, a vida não cansa de ensinar que a semente do abuso nasce da omissão de quem não defende seus direitos. Mais do que nunca, portanto, é necessário lançar velas ao mar para que lojistas e shopping busquem, articuladamente, as condições mínimas para que o sol volte a brilhar. Como ensinou Peter Drucker: “Melhor que tentar prever o futuro, é construí-lo.” Já!
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