top of page

A negação da deflação em aluguel de shopping center

  • Foto do escritor: Cássio Andrade
    Cássio Andrade
  • 14 de jun. de 2023
  • 4 min de leitura


A economia é dinâmica por essência, o que torna relativo o valor de um único Real na aquisição de um produto ou serviço. A mesma moeda, na data de hoje, pode ter mais ou menos poder de compra em comparação a momentos distintos. Esse fenômeno, chamado de inflação, é tão complexo quanto difícil de ser controlado, como a história brasileira fez questão de demonstrar até pouco tempo atrás.


Outro aspecto da inflação é que a moeda pode ter pesos diferentes a depender do mercado em que ela é aplicada, motivo pelo qual existem tantos índices de medição. O IPA para commodities, o IPCA para o consumidor em geral e o INCC para a construção civil são apenas alguns exemplos que servem de referência para diversos tipos de contrato de prestação continuada.


Entre tantas opções, o IGP e suas variações (que possuem em sua composição o IPA), foi o índice eleito pela maioria dos empreendedores de shopping center para reajustar o aluguel cobrado dos lojistas que contratam seus espaços comerciais. Sua adoção por esse mercado ocorre de forma intransigente, sendo raros os casos em que o lojista-locatário pode propor alternativas antes de assinar o contrato.


Para piorar, via de regra o empreendedor de shopping center ainda impõe que o índice será adotado somente se apurada sua variação positiva. Ou seja, mesmo que o indexador aponte a valorização da moeda naquele mercado (deflação), o valor da prestação locatícia não sofrerá qualquer decréscimo. Consequentemente o locador possui ganho duplo, assegurando o valor contratual como mínimo, mesmo quando o mercado aponta para a desvalorização do aluguel, e, no segundo momento, quando aplica o reajuste anual positivo sobre o valor que deixou de deflacionar.


É exatamente o que ocorre neste ano de 2023, quando o IGP-DI chegou, em maio, a 5,49% negativos. Noutras palavras, mesmo que o mercado aponte para a desvalorização das prestações atreladas a esses índices, os shoppings forçarão a manutenção da prestação e o lojista pagará acima do valor justo.


É dessa forma que o empreendedor consegue situar o aluguel acima do valor de mercado, recebendo mais do que é devido, sobretudo quando se verificou durante a pandemia o total descolamento do IGP da inflação interna brasileira, alcançando mais de 36% ao ano. Isto é, no momento em que se poderia minimizar o disparate ocorrido, não se aplica a deflação aferida.


Contudo, nem mesmo se o locador buscar seu crédito em ação de execução ele poderá deixar de aplicar o índice negativo à verba até o limite do valor original do contrato. É esse o entendimento consolidado no STJ por meio do Tema Repetitivo 678, em que foi firmada a tese de que "aplicam-se os índices de deflação na correção monetária de crédito oriundo de título executivo judicial, preservado o seu valor nominal".


A tese citada trata de ação mais grave, já que, para cobrar, o locador se vale do processo de execução, com medidas expropriatórias do patrimônio do locatário. Se nem nesse caso ele pode deixar de reduzir o aluguel com base na deflação, por que o deixaria também na vigência contratual, com o aluguel sendo pago pontualmente?


Poder-se-ia argumentar que a cláusula contratual que obsta a aplicação do índice deflacionário seria fruto da autonomia da vontade, em contrato atípico celebrado entre empresários.


A nosso ver, nada mais equivocado.


Com efeito, todo contrato civil/empresarial se submete às cláusulas gerais estabelecidas no Código Civil (vide art. 425), dentre as quais a que proíbe fixar condição sujeita ao puro arbítrio de uma das partes, bem como aquelas que ofendam a lei e a ordem pública. É o que está disposto no art. 122.


Pois bem, prever índice de reajuste anual, mas só aplicá-lo quando beneficia apenas a uma das partes, a nosso sentir caracteriza puro arbítrio em descompasso com o equilíbrio contratual. Vale destacar que o contrato de locação é comutativo, ou seja, exige que as prestações reflitam equivalência entre o aluguel pago e o valor da locação.


Ademais disso, índice de reajuste constitui instrumento de correção monetária que reflita o fenômeno inflacionário, portanto matéria de ordem pública, já que afeta os preços de mercado, a economia, o consumidor final. Daí por que a lei proíbe sua incidência em prazo inferior a 1 ano, pautando os contratos privados sobre o tema.


Assim, se houve deflação e não se ajustou o aluguel com o índice negativo, na realidade se efetivou aumento abusivo e real do aluguel em detrimento do locatário. Tal fato configura desvirtuamento do que fora contratado, uma vez que se deixará de fazer o alinhamento inflacionário anual do aluguel, voltado para a manutenção do poder de compra original do preço da locação.


Nessa esteira, ofende-se o pactuado e a própria lei, pois o contrato deve ser interpretado à luz da boa-fé, das condições inicialmente ajustadas e a favor de quem não redigiu o instrumento, nos termos previstos pelo art. 113, §º1º, III, IV e V Código Civil.


É fato que a lei exige dos contratantes, durante toda a execução do contrato, conduta em consonância com os princípios da probidade e da boa-fé (art. 422).


Por isso, torna-se premente que os shopping centers possibilitem uma negociação justa que permita considerar, neste momento, a deflação aferida pelo índice indicado no contrato pelo próprio locador, sob pena de ser provocado o Judiciário a manifestar sobre a abusividade da cláusula em comento.


Merece registrar que o aumento do aluguel em desconformidade com a inflação, caso signifique também descompasso com o preço de mercado, pode ser corrigido via ação revisional e mesmo a ação renovatória, de modo que a via negociada se revela, por todos os ângulos, o caminho menos oneroso para a manutenção de um vínculo saudável entre as partes.


Afinal, a boa-fé é o insumo mais eficaz para a contínua prosperidade de todos.

留言


bottom of page