Lojistas em shopping: o contrato de locação sobreviverá ao coronavírus?
Cássio Andrade
31 de mar. de 2020
4 min de leitura
Atualizado: 3 de abr. de 2020
O coronavirus parou o mundo. Afinal, sem vida (principalmente vida saudável) não coexistimos e, consequentemente, não há economia, não há comércio, não há diversão e tampouco lazer. Então, nada mais justo (e natural) que paralisar nossas atividades cotidianas até que a pandemia seja dissipada, já que não há dor maior que a morte, seja a nossa ou a de um ente querido.
Por outro lado, instituições, leis e obrigações permanecem, mesmo que de forma precária, e soluções de última hora estão surgindo para evitar o caos. As pessoas, mais do que nunca, precisam de água e luz em suas residências, e diversos Estados e companhias suspenderam as cobranças e os cortes nesta quarentena. Instituições bancárias estão reduzindo os juros e renegociando ou até mesmo suspendendo prazos para que empréstimos possam ser pagos. No setor público, o Judiciário e o Legislativo restringem suas atividades apenas para o que for urgente. Somente o Executivo, que precisa tomar decisões de forma imediata, está funcionando.
Também pensando no desemprego crescente e na população de baixa renda, o Congresso aprovou recentemente um pacote econômico para garantir recursos mínimos aos mais gravemente afetados.
Como se nota, o que houve foi a adequação de muitas atividades para que funcione apenas o essencial. E o comércio, salvo o de alimentos e medicamentos, não é essencial. Por isso, foi determinado seu fechamento, não importando se estabelecido em ruas, shoppings, galerias de lojas ou mercados.
Surge então a preocupação central desse setor: como sobreviver às obrigações contratuais sem ter receita para pagá-las?
O lojista de shopping, como nos outros setores, se viu, de maneira repentina, obrigado a interromper suas atividades. E suas obrigações, legais ou contratuais, e que não são poucas, se mantiveram. Apenas para citar algumas, são despesas com colaboradores, tributos e de locação de imóveis. E é esse último tipo que traz mais incertezas à categoria.
Sobre o aluguel, ele é fixado em contrato quando estão presentes condições de normalidade e estabilidade econômica, e se espera de ambas as partes o seu cumprimento (pacta sunt servanda). No caso aqui tratado, espera-se do locador que disponibilize o imóvel, e do locatário, que pague a parcela locatícia e demais encargos, sendo que um não pode cobrar do outro se não cumpre sua própria obrigação (art. 476 do Código Civil).
Contudo, a situação é de anormalidade, sem perspectiva de melhora, e o locador, por força maior, não pode cumprir sua parte de disponibilizar o imóvel para a atividade do lojista. Nesse caso, há instrumentos legais que garantem ao locatário discutir a prestação perante o Judiciário, se não chegar em acordo com o locador que insistir em cobrar.
O primeiro é aplicado para aqueles contratos que já estão vigentes há mais de 3 (três) anos, e tem previsão no art. 19 da Lei de Inquilinato (Lei nº 8.245/91). Caso o contrato ainda não tenha completado esse tempo de vigência, a lacuna desta lei especial é suprida pelo art. 317 do Código Civil, que prevê que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. No mesmo sentido é o que determina o art. 480 do Código.
Além disso, tratando especificamente sobre situações imprevisíveis que impossibilitem o cumprimento do contrato, o locatário ainda pode se valer do art. 478 do Código Civil para requerer em Juízo a resolução do contrato. Nesse caso, a decisão que determinar o fim do contrato terá efeitos retroativos à data em que o locador for citado, e isso pode evitar que o pior aconteça.
Todos esses são instrumentos jurídicos que garantem ao lojista a possibilidade de fazer valer seus direitos em Juízo, opção que não pode ser descartada já que sua relação com o empreendedor é desigual e qualquer tentativa de negociação (também prevista pela Lei de Inquilinato no art. 18) pode ser infrutífera.
Por isso, é preciso traçar um planejamento imediato de atuação jurídica coordenada, para que o empreendedor não tome medidas que irão prejudicá-lo, nem deixe de tomar aquelas que possibilitarão uma recuperação mais rápida e eficaz. Além disso, para negociar é preciso experiência com as técnicas apropriadas, para que, posteriormente, o uso do Judiciário se torne remédio e não veneno.
Fato é que, sem faturamento não é possível pagar o aluguel que incide sobre ele e, quiçá, nem mesmo o aluguel mínimo que muitas vezes está previsto nos contratos de locação. De igual forma, o fundo de promoção perde sua razão de ser, já que as promoções são inócuas se não há público para alimentá-las e sequer o mínimo de vantagem ao lojista.
Em outras palavras, se o empreendedor insistir na manutenção do contrato, o que ocorrerá é que os shoppings não se esvaziarão apenas de consumidores, mas também de lojistas, prolongando sua crise para além da quarentena.
Aliás, o que será do empreendedor após a pandemia se no shopping não sobreviver nenhum negócio? Ele dificilmente encontrará no mercado lojistas em condições financeiras para arcar com seu contrato. Então, o melhor é que negocie com os que já estão instalados no empreendimento, para que sobrevivam juntos a essa situação.
É preciso entender que demissões já estão ocorrendo e as curvas de produção e crescimento econômico tendem a seguir o oposto (na mesma proporção) da curva de propagação do vírus, que segue em progressão geométrica.
Em síntese, apenas unindo interesses e forças para superar esse período de dificuldade é que haverá chances de superá-la e ainda assim colher frutos. Do contrário, o Judiciário, que apenas está atuando em casos de urgência, receberá várias demandas de lojistas, que devem sobreviver a essa situação, como já foi determinado em diversas decisões pelo Brasil.
Ao final, quem se proteger melhor na quarentena, sobreviverá.
Post scriptum: Veja aqui notícia sobre decisão concedida no DF sobre suspensão do aluguel mínimo e fundo de promoção e propaganda
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