Direitos e garantias dos lojistas – Aspecto condominial
Cássio Andrade
30 de out. de 2020
3 min de leitura
Continuando a temática voltada aos direitos e garantias dos lojistas, tratamos, nesta segunda parte, do aspecto condominial da relação estabelecida entre empreendedor e lojista.
Como se sabe, o empreendedor é o proprietário do espaço, mas são os lojistas que arcam com as despesas de rotina do empreendimento, como se daria normalmente em locação de uma sala comercial em edifício, por exemplo. Contudo, o empreendedor também busca o tempero da atipicidade para essa relação, transferindo encargos muitas vezes descomunais ao lojista.
Cabe frisar que os documentos que regem o empreendimento devem ser de fácil acesso ao lojista, sobretudo a Escritura Particular Declaratória de Normas Gerais de Locação e o Regimento Interno, porquanto ditarão as normas de cumprimento obrigatório pelos lojistas. Contudo, na prática, não é raro que esses documentos não sejam entregues no início da relação, o que, no decorrer do tempo, pode trazer ao lojista indigestas surpresas, cujo teor, via de regra, declaram ter ciência logo que firmam a locação.
Outra observação relevante é a previsão, em contrato, de que o locatário está ciente de que a administração do shopping é feita exclusivamente pelo locador, obrigando-se a aceitar as orientações dadas por ele a qualquer tempo. Ora, essa cláusula outorga poder desproporcional ao empreendedor como administrador, já que, unilateralmente e sem qualquer diálogo, pode dar a destinação que quiser ao empreendimento, sem nem mesmo considerar os interesses dos lojistas, os maiores afetados. Portanto, constitui cláusula que deveria ser banida.
Sobre os espaços comuns, é frequente a previsão que dá poderes ao empreendedor, como suposto especialista e gestor dos interesses de todos os lojistas, de alterar a dinâmica e a logística do empreendimento, inclusive, de alterar a divisão dos espaços individuais de cada lojista, já que, em tese, o interesse do shopping sobrepõe ao individual.
Em se tratando de shopping, a máxima de que o interesse comum prevalece ao individual é completamente falaciosa. Isso porque cada relação é regida por um contrato de locação. Para se fixar o valor da parcela locatícia são considerados vários fatores, mas principalmente a avaliação do metro quadrado no empreendimento. Então, se o empreendedor, por exemplo, decide, unilateralmente, reduzir o espaço de uma loja, deve também reduzir o aluguel cobrado.
Alterar a dinâmica do espaço comum também não pode ser uma prática aleatória e déspota. Ora, os lojistas são os principais interessados na boa utilização das áreas de circulação de consumidores, e são eles que suportam os gastos para que lhes seja garantido um passeio agradável e propício ao consumo. Então, nada mais justo que sejam ouvidos, pois serão sempre os maiores afetados caso se surpreendam com a mudança repentina da organização desse espaço.
Sobre o próprio rateio de despesas, há previsão de que ocorra pelo denominado Coeficiente para Rateio de Despesas (CRD). O CRD leva em conta o espaço comercial[1], e, somando-se todos os CRDs das lojas, o lojista concorrerá com as despesas com a expressão percentual correspondente à sua fração aritmética, o que nem sempre será representado por valor ou percentual fixo, em razão da possibilidade de alteração do empreendimento.
Esse critério, maleável e flexível, dá ao empreendedor margem para favorecer aquelas marcas que mais interessem comercialmente ao shopping, como as lojas-âncora, em nítido prejuízo aos demais lojistas. Por isso, os critérios de fixação do CRD devem ser estar sempre claros para todos, para que o lojista possa ter previsibilidade e segurança quanto às despesas que assumirá na manutenção do espaço comum.
Essa situação ainda deixa exposta questão que deve sempre ser reivindicada pelo lojista: a prestação de contas pelo empreendedor, que deve ser minuciosa e esclarecedora. Por isso, a união dos lojistas é essencial para que não se dissemine o prejuízo entre eles em favor de um seleto grupo de âncoras favorecido pelo empreendedor.
Tamanho desequilíbrio na relação entre lojista e empreendedor se deve ao fato de que o último busca, o tempo todo, impor condições indiscutíveis ao primeiro, que, seduzido, se joga na armadilha, na esperança de crescer. Como visto com relação à locação, que apesar das peculiaridades não deixa de estar sujeita às suas regras básicas, a manutenção da coisa comum não deve fugir da concepção de condomínio (por mais que alguns empreendimentos se configurem formalmente como consórcio de empresas), já que há espaços exclusivos e comuns administrados pelos interessados.
Em suma, o desequilíbrio da relação, favorecendo apenas a uma das partes, mata o próprio ideal do shopping, que é oferecer ganhos tanto ao empreendedor quanto ao lojista. Admiti-lo a qualquer tempo, além de validar a má-fé em um negócio idealmente sólido, seria o mesmo que negar toda a legislação civil aplicável, uma garantia de lucidez e sustentação a qualquer negócio nos dias de hoje.
[1] O que inclui não apenas a área, mas também horário de funcionamento, extensão de frente da loja, atividade desenvolvida e sua posição no mall.
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