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Direitos e garantias dos lojistas – A relação locatícia

  • Foto do escritor: Cássio Andrade
    Cássio Andrade
  • 30 de set. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 30 de out. de 2020



Para elencar os direitos e garantias do lojista de shopping center, é preciso, inicialmente, ter em vista dois aspectos de sua relação com o empreendedor: o da locação e o de condomínio. A locação, mesmo que atípica, deve seguir princípios e regras atinentes ao instituto, sob pena de sobrecarregar indevidamente o lojista, gerando ao empreendedor receita desproporcional.

Com relação ao aspecto condominial da relação, e considerando a locação, as despesas sobre a área comum podem ser tratadas como encargos locatícios, que também não podem ser exorbitantes. Enfim, desconsiderar esses dois institutos jurídicos poderá desequilibrar a relação, o que é inadmissível.

A relação entre lojista e empreendedor possui peculiaridades formais, já que, além do contrato de locação, instrumentos unilaterais são impostos ao lojista, como a Escritura Declaratória de Normas Gerais de Locação e o Regimento Interno do shopping, por exemplo, o que pode configurar tentativa tanto de descaracterizar a locação quanto a relação condominial, minando seus direitos.

Imprescindível, pois, fazer um exame crítico, de forma a buscar o equilíbrio da relação entre os envolvidos, que certamente trará ganhos para ambas as partes.

Dada a complexidade do assunto, os direitos e garantias dos lojistas serão trabalhados em dois artigos, sendo esta primeira parte dedicada à locação.

É preciso, logo no começo, considerar os motivos que atraíram o lojista ao empreendimento. Nesse sentido, existem contratos em que o locatário declara conhecer e aceitar os princípios que regem o funcionamento do shopping, conferindo ao locador o direito de estabelecer ou alterar, quando julgar necessário, a distribuição das atividades do empreendimento. Ou seja, o locatário que inicia seu trabalho em loja que favoreça seu planejamento, está sujeito a, arbitrariamente, perder seu ponto comercial e arcar com o ônus da mudança, o que implica despesas para readequação do novo espaço e paralisação de suas atividades.

Ora, no momento pré-contratual, o lojista se convence sobre a viabilidade do negócio com base no plano inicial ofertado pelo empreendedor. Inserir em contrato cláusula desse gênero põe em risco a própria autonomia do lojista, sujeitando-o ao arbítrio do empreendedor, que pretende somente a manutenção de seu poder. Em uma situação prática, se o lojista se indispuser com o empreendedor, poderá sofrer retaliação que prejudique não apenas sua posição no shopping, mas também sua própria permanência no negócio.

É cláusula abusiva, que, desde o início, enfraquece o locatário, já que a sorte de sua marca e o seu planejamento fogem de seu controle. E mais, esta cláusula não gera a suspensão do contrato de locação até que o locatário se mude e adapte o novo espaço para suas atividades.

Outras cláusulas podem afetar ainda mais o planejamento e as expectativas do lojista, podendo prever que:

(i) o locador não pode assegurar a permanência das lojas âncora inicialmente previstas para o empreendimento, o que altera por completo a expectativa do locatário com relação ao público que será atraído para o shopping;

(ii) o locatário terá que pagar o dobro do aluguel em dezembro. Esta cláusula deve incidir somente sobre o valor do aluguel mínimo, sendo nitidamente abusiva se aplicada com relação ao aluguel percentual;

(iii) o locador pode recusar o pagamento do aluguel caso outra parcela da relação esteja em aberto. Essa cláusula ofende a autonomia do locatário em questionar outros valores que lhe são cobrados, forçando sua inadimplência e possível despejo.

Não é raro que o contrato também preveja a possibilidade de que o dólar americano sirva como parâmetro de indexação, se ele for admitido, a qualquer tempo, pela legislação. Ora, uma das regras previstas pela Lei de Inquilinato, no art. 17, é que o aluguel não pode ter seu reajuste conforme a variação cambial. Além disso, se adotada a moeda norte-americana para qualquer fim, o reajuste deixaria de ser anual, diferente do que seu contrato certamente prevê em razão da legislação atual.

O empreendedor muitas vezes também busca impor ao lojista que pague, semestralmente, uma compensação pelo compromisso de desempenho e performance, que equivale a percentual sobre o valor do aluguel mínimo. Isso tudo como forma de demonstrar que está comprometido com o sucesso do empreendimento. Igualmente abusiva a previsão nesse sentido.

Como é notório, a responsabilidade do empreendedor de organizar o mix de lojas e planejar o funcionamento do shopping não lhe confere o direito de exigir uma taxa pelo comprometimento do lojista, até porque ele já paga com base em seu faturamento. Cobrar essa taxa semestral, portanto, é desnecessário e ilegal, já que os riscos e as oscilações do mercado já são conhecidos das partes.

No mesmo sentido, é inadmissível que o empreendedor imponha ao lojista a obrigação de pagar, além do aluguel, taxa para reserva do imóvel (res sperata), por entender que, ao se tornar lojista do shopping, o locatário usufruirá de benefícios em razão do fundo comercial do locador. Não poderia haver hipocrisia maior, já que o locador se vê como a garantia de sucesso ao locatário, sem prever qualquer compensação no sentido contrário, caso o empreendimento não “decole”.

Igualmente abusiva é a fixação de taxa para que o lojista transfira ou venda seu ponto comercial. Isso porque o próprio locatário buscou alguém que tenha, em tese, condições de arcar com o negócio em shopping center, com todas as suas peculiaridades, e também porque o lojista que acaba de ingressar, pagará aluguel superior ao do egresso. Em outras palavras, o empreendedor, que é o maior beneficiário dessa situação, não pode exigir vantagem além do que a própria operação já lhe oferece.

Outra questão que deve chamar atenção nesse caso é o fato de que o empreendedor geralmente conta com imobiliária de sua preferência para negociar os imóveis com lojistas. Assim, a negociação fica restrita aos que forem encaminhados por ela, o que retira, por si só, a base para cobrança de taxa na sucessão entre lojistas.

Em geral, não há prazo para que o empreendedor se manifeste sobre a sucessão de lojistas, tampouco exigência de fundamentação caso a operação não seja aprovada por ele. Isso, como se observa, é mais um artifício arbitrário e prejudicial aos interesses do lojista, podendo colocá-lo em dificuldades.

Ainda no mesmo tema, também é comum que o empreendedor preveja no contrato a caracterização de fraude quando houver a cessão ou transferência do controle societário do locatário, o que pode ensejar a rescisão contratual. Nesse caso, o empreendedor opta por desconsiderar, por completo, que as obrigações locatícias permanecem com a pessoa jurídica que a assinou, penalizando injustificadamente o lojista envolvido, e comprometendo seu negócio mais uma vez. Sobre o tema, o Judiciário já decidiu favoravelmente ao lojista.

Não raro, os contratos de locação também preveem cláusula que o lojista deve permanecer, exclusiva e ininterruptamente, no ramo de atuação constante no “quadro-resumo”, a não ser que o empreendedor autorize que mude de atividade. Tal previsão figura mais um escabroso excesso contratual.

Primeiro porque o negócio firmado entre locador e locatário não é uma sociedade, em que o empreendedor está empoderado para decidir como entender no negócio do lojista. O que há, de fato, é que o shopping center constitui modelo de negócio em que o resultado de um implica no do outro. Sociedade mesmo há entre aqueles vinculados juridicamente ao negócio do lojista, e isso certamente não se limita à sua participação no shopping.

Por exemplo, se um lojista é franqueado de uma marca multinacional de roupas e calçados esportivos, que decide incluir em sua atividade a comercialização de suplementos alimentares. O lojista, como franqueado, terá que vendê-los – e esta não é uma opção, dado o vínculo com o franqueador. Como poderia o empreendedor do shopping, naquela relação única com o lojista franqueado, aprovar ou não sua nova atividade? Isso não parece razoável e tampouco legítimo, já que o empreendedor não é sócio do lojista, mas unicamente seu locador.

Outro sinal da força descomunal que o empreendedor se atribui como locador é a previsão, em contrato, do direito de rescindi-lo, quando entender oportuno, sempre que o locatário deixar de cumprir com pelo menos uma das parcelas locatícias ou uma das obrigações de fazer ou não fazer.

Ao final, se o lojista não obtiver sucesso em seu negócio e quiser desocupar o imóvel, antes de finda a locação, é comum que seja obrigado a pagar o equivalente a 50% dos aluguéis que seriam devidos até o final do prazo locatício, estabelecidos como perdas e danos do empreendedor. Esse outro absurdo serve para constatar que o prejuízo, quando há, é, na interpretação do locador, exclusivamente do locatário. Ele esquece que é responsável por gerar campanhas de atração de público que, se fracassadas, prejudicarão apenas o empreendedor, e ainda terão que indenizá-lo pela incompetência. Ou seja, até errando o empreendedor busca tirar proveito do lojista.

Como se nota, na relação locatícia entre empreendedor e lojista a balança pende para o desequilíbrio. Se o lojista não corresponde às expectativas do empreendedor, não goza de liberdade nem no seu próprio negócio, e pode sofrer com as pesadas penalidades contratuais. E, por absurdo, ainda que a culpa seja exclusiva do locador, gerando reflexo no locatário, é esse que pagará novamente, em favor do culpado, para compensá-lo de seu próprio erro. Uma verdadeira punhalada pelas costas.

Assim, na relação locatícia deve-se buscar o equilíbrio contratual, de forma que o locador não exija contrapartida desproporcional do locatário, devendo-se primar pela preservação e continuidade do contrato.

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