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Contrato atípico e mais de um aluguel? Conheça a locação de imóvel em shopping

  • Foto do escritor: Cássio Andrade
    Cássio Andrade
  • 12 de mai. de 2020
  • 4 min de leitura


As locações em shopping centers são reguladas por contratos em que os empreendedores acrescentam, já em seu título, o termo atípico, deixando claro que não se trata de um contrato comum de locação. Afinal, o que pretende o locador com um contrato de locação atípico? Há nele obrigações não previstas na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91)?

Diferentemente da locação comercial comum, o empreendedor de shopping center, além de ser locador, é o gestor do mix de lojas e do público de todos os seus locatários. Em tese, é o primeiro interessado no sucesso do lojista. Se fracassar, colocará em risco sua própria credibilidade na atração de marcas importantes no mercado e prejudicará diretamente o lojista. Se prosperar, o negócio do lojista também terá projeção e visibilidade.

Como se nota, a relação entre empreendedor e lojista vai além da própria locação, pois o sucesso de um implica no sucesso do outro. Isso justifica, portanto, a adequação do contrato de locação, autorizada pelo art. 425 Código Civil, respaldado também pela jurisprudência do STJ. Aliás, a Lei do Inquilinato possui previsão específica para shopping centers, no art. 54.

Mas essa atipicidade e liberdade para pactuar não quer dizer que, em termos de locação, o empreendedor deva se sobressair, impondo obrigações excessivamente onerosas ao locatário. Como bem salientou o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino em voto proferido no Recurso Especial nº 1.158.815, “naturalmente, mesmo no Direito Empresarial, pode haver a necessidade de mitigação do princípio da autonomia privada, especialmente quando houver desigualdade material entre as empresas contratantes” (REsp 1158815/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 17/02/2012).

Sobre o aluguel, o art. 17 da Lei do Inquilinato dispõe que ele é de livre estipulação entre as partes, desde que não atrelada a moeda estrangeira, nem varie conforme o câmbio ou salário mínimo. Buscou-se, com isso, a garantia da fixação de um aluguel justo, o que se reproduz na jurisprudência, para que não haja vantagem excessiva ao locador e prejuízo demais ao locatário.

Para saber se a locação em shopping é justa, é preciso conhecer melhor as diversas formas de aluguel comumente praticadas, cumulativamente ou não. São elas:

- Aluguel mínimo (reajustável): é aquele baseado nos metros quadrados do imóvel locado, conforme a localização no empreendimento. Em outros termos, é o aluguel que usualmente é praticado no mercado imobiliário em geral.

- Aluguel percentual (ou de desempenho): é o aluguel por meio do qual a administração do shopping é remunerada na proporção do sucesso do lojista. Nessa modalidade, é fixado percentual que incide sobre o faturamento bruto, sendo devido quando exceder o aluguel mínimo fixado.

- Outros tipos: o contrato ainda pode prever outras parcelas intituladas de aluguel, como o 13º, 14º e 15º aluguéis, devidos em datas de maior movimento no comércio, como Natal, dia das mães e dia dos namorados.

Com relação ao aluguel mínimo, para verificar se ele é justo, basta realizar avaliação de mercado, se corresponde à região, bem como se o reajuste previsto em contrato não fere os parâmetros legais. Contudo, quais os limites para o aluguel percentual? É razoável que o locador tenha participação sobre o faturamento, independentemente da cifra que o represente?

Há situações em que o empreendedor, devido ao seu poder de barganha, faz incidir o aluguel mínimo juntamente com o percentual, o que, nitidamente, representa encargo desproporcional ao lojista, o que pode ser discutido.

Mesmo que não haja cumulação, a dinâmica do contrato ainda pode colocar o lojista em dificuldades e situação de nítido desfavorecimento, e deve ser discutida nas tratativas preliminares. Para se ter melhor ideia dos contornos da relação, imaginemos a seguinte situação:

Uma loja que representa uma marca ainda não tão conhecida de seu público-alvo, e que precisa investir em divulgação para atrair interessados. No início ainda não prospera, e é obrigada a pagar somente o aluguel mínimo. E, prosperando com o tempo, passa a dever percentual de seu faturamento bruto ao empreendedor.

Para que o empreendedor tenha controle do percentual devido, ele sujeita o lojista à sua própria fiscalização. Dessa forma, há auditoria para exame regular de caixas registradoras, recibos, talões, notas fiscais, livro de registro de estoque ou venda de mercadorias, diretamente, ou através de terceiros contratados. Tudo para que se garanta a apuração correta da base de cálculo.

Mesmo que não sejam cumulados os aluguéis, se, por alguns meses, o lojista tiver que encarar dificuldades decorrentes da própria sazonalidade do mercado, e o percentual sobre o faturamento for inferior ao aluguel mínimo, ele continuará pagando o mínimo.

Pode ser, inclusive, que, em meses de bom faturamento, o lojista pague o equivalente a um ano a título aluguel mínimo. Pode ser também que os meses de bom faturamento sejam apenas aqueles em que incidam 13º, 14º e 15º aluguéis, obrigando-o a pagar quantia ainda maior ao empreendedor. Mas se, em meses de dificuldade, não puder honrar com o mínimo, isso não será levado em consideração, e ficará em mora com o empreendedor.

Com isso, não é difícil concluir que o empreendedor está ao lado do lojista apenas enquanto ele prosperar. Pois, mesmo não prosperando, pagará o mínimo. E, se nem isso tiver condições de pagar, o empreendedor ainda terá a opção de despejá-lo e ali instalar outro lojista que lhe dê o mínimo de retorno novamente e pague novas “luvas”. Afinal, está em um mercado competitivo de constante procura.

Dessa forma, o que resta evidenciado é que o risco do negócio fica todo com o lojista, que pode receber o pesado carimbo de “fracassado”, já que o empreendedor oferece a “oportunidade de ouro”. Assim, mesmo o aluguel percentual deve ter limite de valor, para que as atividades do lojista não fiquem prejudicadas, conferindo benefício indevido ao empreendedor.

Por esses e outros motivos, o lojista deve buscar, ainda na negociação do contrato, os termos que possibilitem o equilíbrio de sua relação com o empreendedor. Imprescindível, por isso, contar com apoio técnico, pois a atipicidade do contrato pode custar caro.

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